Entrevista | Os intrépidos andarilhos e outras margens

Entrevista concedida a Dílson Lages Monteiro, para o portal Entretextos, dezembro de 2012
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Autor de diversos livros de poemas, Adriano Lobão Aragão, piauiense e um dos editores da revista Desenredos, estreia na prosa de ficção com o romance Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens, publicado pela Nova Aliança Editora (2012). Entretextos foi ouvi-lo, a fim de descobrir o que move o novo projeto literário de Aragão.
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Dílson Lages | Adriano, o livro de início pode causar aos leitores mais desavisados algum estranhamento, porque, no meu entender, há o objetivo de romper as fronteiras entre prosa e poesia. É nítido um projeto de renovação estilística. Qual exatamente a proposta de Os intrépidos andarilhos e outras margens?
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Adriano Lobão Aragão | De início, houve apenas a necessidade de escrever um romance. A preocupação estilística foi surgindo ao longo desse processo. Fiz diversas versões e escolhi a que achei mais conveniente ao tema e ao propósito de escrever de um modo em que a construção estética fosse posta em evidência como parte intrínseca do enredo. De qualquer forma, espero ter dado alguns passos nesse sentido.
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Dílson | Por que você optou pelo título da obra no plural? O que isso semanticamente significa?
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Adriano | Pensei em diversos títulos. Nunca cheguei a um que me agradasse completamente. Mantive “Os intrépidos andarilhos” por ser o objeto de busca, pelo menos num plano inicial, do protagonista. “E outras margens” talvez fosse mais apropriado para um livro de contos, mas optei por manter pois remete às diversas possibilidades de leitura e vivências do personagem. O plural talvez seja uma fuga da individualização do protagonista, talvez. Como saber? Com certeza, Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens não é um livro de certezas.

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Dílson | Por quais caminhos e margens andam os andarilhos de sua obra?
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Adriano | Intertextualidade, metafísica, pretensão, equívoco, agonia… qualquer palavra que dê margem ao caminho.
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Dílson | Do ponto de vista formal, como você define Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens? Aproveito para pedir que você comente o que há de novo e o que há de tradicional em seu estilo.
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Adriano | Não sei bem o que há de novo. Na literatura, e na arte em geral, tudo que se faz sempre remete ao que já foi feito. Não vejo como almejar algo essencialmente “novo”. E de tradicional, creio que o livro é em si uma narrativa como qualquer outra, apenas com um esforço estilístico e metalinguístico mais intenso que o convencional.
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Dílson | Pude perceber em Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens diálogo com Saramago, Guimarães Rosa e João Cabral. Você me dizia informalmente que a obra conversa com o barroco. O que influenciou o estilo de escritura deste livro?
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Adriano | Como o livro foi escrito e reescrito durante um longo período, mais de cinco anos, com diversas interrupções e retorno ao ponto de partida, diversas influências foram se sobrepondo. Talvez a linguagem um tanto hermética e rebuscada, em vários momentos, e uma preocupação metafísica eu tenha herdado de minha afeição pela linguagem barroca.
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Dílson | Diante da proposta da obra, você acredita que o leitor lerá o livro buscando mais uma trama ou se concentrará no psicológico do narrador personagem?
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Adriano | Espero que existam leitores para as duas coisas. Que uns mergulhem na trama, outros degustem a linguagem, alguns se preocupem com as intertextualidades, enfim. Para mim, o ideal é que o livro encontre leitores por motivos distintos. De preferência, os mais distintos possíveis. 
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Dílson | O que de vivência de mundo no sentido mais restrito, de uma maneira geral, converteu-se no enredo deste livro?
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Adriano | Muito do que vivemos, sentimos, imaginamos e observamos vai parar nas páginas dos livros, mas essa transposição não é fundamental para leitura nem para a análise da obra. Às vezes, até o para o próprio escritor, é difícil entender ou apontar essas correlações.
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Dílson | O que mais exerceu influência sobre você na construção desta obra?
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Adriano | Demorei muito tempo escrevendo, então as influências foram diversas, em momentos distintos. É difícil para mim indicar a que mais se destacou.
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Dílson | Muitos leitores leem obras literárias buscando uma estória. Quando se deparam com o livro que dialoga com a filosofia e com dimensão metalinguística – como é o seu – veem-se forçados a ler diferente ou a leitura da obra literária, incluindo aqui Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens, é exatamente a mesma?
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Adriano | Também tenho essa dúvida.
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Dílson | Você mergulha em valores e tipos humanos comuns a pequenas comunidades e, nesse sentido, fundem-se o regional e o universal. O que você tem a dizer sobre esses valores e esses tipos humanos?
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Adriano | Creio que foram essenciais para a construção da obra. Não vi motivos para isolar um elemento em relação a outro. “Universal” e “regional” são conceitos que me pareceram muito estranhos durante a feitura do livro, por isso abandonei qualquer preocupação nesse sentido.
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Dílson | Adriano, para você o escritor escreve aquilo que gostaria de ler?
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Adriano | Acho que chega a acontecer isso sim, mas na maioria das vezes me parece uma espécie de diálogo com que já foi lido ao longo da vida. Uma forma de tentar, ainda que pretensamente, participar de um diálogo mais amplo que envolve séculos de produção literária e artística. O mais provável é que seja mera pretensão mesmo, mas talvez seja isso o que move diversos escritores. 
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Dílson | Como você espera que os leitores se debrucem sobre Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens?
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Adriano | Espero que terminem a leitura com a cabeça repleta de dúvidas e com um forte desejo de repetir a leitura mais algumas vezes.
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[Publicado originalmente
no portal Entretextos
em 17 de dezembro de 2012]


“Minha perspectiva é aquela do Romantismo, que absorve o gnosticismo – é não retornar ao passado, mas criar o futuro.” Claudio Willer

Entrevista com Claudio Willer
concedida a Adriano Lobão Aragão
em março de 2011
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Poeta, ensaísta e tradutor, Claudio Willer nasceu em São Paulo, 1940. Sua obra apresenta forte vínculo com a criação literária desenvolvida pelo surrealismo e pela geração beat. Tradutor de Lautréamont e Ginsberg, dentre outros. Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações culturais: Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, Isto É, Leia, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Cult, Correio Braziliense, etc; e na imprensa alternativa: Versus, Singular e Plural e outros. Co-editor da revista eletrônica Agulha, também edita o blog http://claudiowiller.wordpress.com/. Doutor em Letras pela USP, com tese defendida em 2008 com o título “Um Obscuro Encanto: Gnose, Gnosticismo e Poesia Moderna”, lançada em livro pela editora Civilização Brasileira. A seguir, apresentamos significativo trecho de entrevista concedida pelo autor sobre o místico labirinto poético ao qual dedicou sua tese. A entrevista completa foi publicada na 9ª edição da revista eletrônica Desenredos (www.desenredos.com.br).

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Adriano Lobão Aragão – O capítulo 1 de seu livro Um Obscuro Encanto tem como título “Gnosticismo: a ‘religião da literatura’?”. Como se desenvolveu o seu interesse por esses dois aspectos, a tradição esotérica e a tradição literária?
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Claudio Willer – Acho que, quanto à  ‘tradição literária’, interesse vem desde sempre. Com uns 20 anos de idade, despertou-se em mim uma vocação de poeta – certamente induzida por leituras e por amizades com outros poetas. Afinidade com surrealismo e simpatia pela geração beat vêm daquele tempo. Quanto ao gnosticismo, essa religião ao contrário, invertendo os grandes monoteísmos patriarcais, há tempos me despertava a curiosidade. E já havia visto autores serem associados ao gnosticismo, por exemplo Artaud por Susan Sontag. Recentemente, achei uma resenha minha de 1987, na Isto É, sobre a coletânea de textos em prosa de Hilda Hilst, Com os meus olhos de cão.  Para minha surpresa (havia-me esquecido) desde então já associava Hilda Hilst ao gnosticismo.  Lautréamont, também, ao escrever sobre ele em 1997 (no prefácio da edição Iluminuras da minha tradução), dizia que ele representava Deus como demiurgo gnóstico em Os cantos de Maldoror.  Minha tese de doutorado, pretendia fazê-la sobre relação de poesia com ocultismo e esoterismo em geral. Quando percebi que o resultado seria de uma extensão inviável, concentrei-me em gnosticismo, que vale como capítulo inicial do esoterismo e ocultismo na tradição ocidental. Pelo resultado – a tese de doutorado e o livro – vejo que foi uma boa escolha.

Adriano – É notório o interesse por temas místicos, incluindo o gnosticismo, caracterizado pelo lançamento de diversos títulos a cada ano. Sabe-se também que bem poucos encaram esses temas com o devido rigor e lucidez que encontramos em Um Obscuro Encanto, por exemplo. Nesse contexto, como tem sido a recepção de seu livro?

Claudio – Não é livro talhado para ter a recepção bombástica de um Dan Brown, por exemplo – a propósito das utilizações mais oportunistas, digamos, do gnosticismo. Além disso, é obra algo pesada – com a primeira parte sobre gnosticismo e história das religiões, a segunda sobre poesia. Pede leitores especiais, exige algo do leitor. Por isso, recepção tem sido lenta – marcada por elogios, é claro – mas firme, constante. A exemplo de outros livros meus que continuam circulando e tendo reedições, permanecerá. Observaria que pode ter frustrado duas correntes ideologicamente orientadas. Uma, a  dos tradicionalistas ou integristas, que execram gnosticismo, por razões óbvias. Outra, as correntes progressistas, que argumentam ser o gnosticismo um cristianismo primitivo – assim atribuindo anterioridade a esse cristianismo mais progressista, legitimando-o. Em termos mais claros: Um Obscuro Encanto não deve satisfazer nem à Opus Dei, nem à Teologia da Libertação…

Adriano – E a quem Um Obscuro Encanto deve satisfazer (ou melhor, encantar)?

Claudio – Ah, essa misteriosa questão, de quem são ou serão os leitores… Se alcançar os leitores de outros dos meus livros – milhares, vários milhares de Geração Beat e das traduções de Ginsberg e Lautréamont, por enquanto meus livros de maior circulação – já estará de bom tamanho. E mais leitores com o mesmo perfil – um perfil bem diversificado. Felizmente, inquietação, sensibilidade poética e vontade de saber mais alastram-se.
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[Publicado originalmente no jornal Diário do Povo, coluna Toda Palavra, Teresina, 12 de abril de 2011]
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Claudio Willer faleceu em janeiro de 2023.

Lançamento da coletânea O RIO

Oficina da Palavra | Teresina, PI
1º de dezembro de 2022

Chakal, Adriano Lobão Aragão, Chico Castro, Cineas Santos e Kilito Trindade

Peça teatral Esperando Godot, em montagem do Grupo Harém

Adriano Lobão Aragão, Francisco Gomes e Kilito Trindade

Adriano Lobão Aragão e Sergia Alves

Gramática reflexiva

COCAL DOS ALVES
Adriano Lobão Aragão

nos campos onde pastam
bois e cabras persiste
o caminhar do tempo
ruminando o desdobrar
da existência

diante dos bancos alinhados
na praça da igreja
a sombra das árvores
abriga a permanência dos dias
a mansidão da tarde
espalhada pelo horizonte
desenhado entre serras
em que campeiam lembranças
semeadas na resistência das pedras

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Gramática Reflexiva | sexto ano
William Roberto Cereja e Carolina Dias Vianna
5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2019
poema: Cocal dos Alves, p.218

Noite de dezembro

Adriano Lobão Aragão

as cinco almas desta família
reunidas no silêncio da noite
celebram sua incômoda comunhão
no rascunho de sorrisos frios
repetidos nos gestos de comer e beber

no entanto é noite de dezembro
o avô morto há duas décadas
permanece jantando na mesa vazia
indiferente aos olhares das crianças

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publicado originalmente na revista Germina

Revista Brasileira

NÃO DEIXAMOS NOSSAS PEGADAS
Adriano Lobão Aragão

não deixamos nossas pegadas
no calçamento desta rua
repleta de pedras pontiagudas

deixamos o sangue de nossos pés
cortados no jogo de bola
onde o único ofício das chinelas
era servir de trave para o gol
contado em pés descalços

então a rua deixava em nós suas pegadas
demarcadas pela tintura do mercúrio-cromo
ou pela dor do mertiolate e da água oxigenada

também a bola recebia seus remendos
quando furada cortada ou rasgada
e outra bola mais antiga cedia um recorte
que seria colado com faca quente

não deixamos nossas pegadas
no calçamento desta rua
deixamos o sangue e outras feridas ao relento
esperando o tempo decidir esquecer ou emendar

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Revista Brasileira
Fase VIII, Ano VI, Nº 91
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2017.
Editor: Marco Lucchesi | ISSN 0103707-2
| poemas: Peito de Moça, p.232; Inhuma, p.232; Quixadá, p.233; Uruçuí, p.233; Cocal, p.233; Fortim, p.234; Ainda havia carambolos nos muros, p.235;  O muro além do jardim demarcava, p.236; Não deixamos nossas pegadas, p.237; Assar castanha, p.238. | Download da edição completa

Entrevista | Goella

Entrevista concedida a Chagas Botelho, para o blog Goella, março de 2010

Hoje, 14 de março de 2010, Dia da Poesia, o Papo do Goella faz uma entrevista com o poeta piauiense Adriano Lobão Aragão

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Goella | Você diz que sua obra está em constante mutação. Para o poeta, é importante a busca de um novo foco para um novo trabalho?

Adriano Lobão Aragão| O trabalho com a criação artística, para ser relevante, costuma lidar com a ousadia de se reinventar constantemente.

Goella | Influências, intertextualidade e releitura são palavras marcantes em sua obra. Um bom poeta é antes de tudo um bom leitor?

Adriano | Creio que deveria ser. Não como imposição, afinal, na criação artística, ninguém é obrigado a nada. Mas creio que todo escritor sempre deve ler mais e escrever menos, buscando ser o principal crítico de si mesmo.

Goella | Fernando Pessoa diz que “o poeta é um fingidor”. Você concorda com esse pensamento?

Adriano | Toda criação artística lida com algum tipo de “fingimento”. Entretanto, se é fingimento ou confissão, quem se importa? O valor de um poema está acima disso, pois se encontra na linguagem. Como escreveu Drummond, “o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”.

Goella | Você não acha que hoje os jovens leem os poetas piauienses mais por cobranças nos vestibulares?

Adriano | Não só os poetas piauienses. Quase toda a poesia lida pelos jovens piauienses limita-se àquilo que o professor trabalha em sala de aula. O que é uma pena, o que é muito pouco para uma formação cultural relevante. Compreender um poema é compreender uma importante dimensão da própria expressividade da linguagem humana.

Goella | Pra você, os melhores poetas são brasileiros ou estrangeiros? Ou não se pode fazer esse tipo de comparação?

Adriano | Há bons poetas tanto no Brasil quanto no exterior. Entretanto, em relação aos poetas contemporâneos, a produção poética portuguesa requer uma maior atenção do leitor brasileiro.

Goella | Gostaria que você comentasse a literatura piauiense de hoje e como estão as produções feitas atualmente.

Adriano | Há alguns esforços bem positivos. Admiro a poesia de Sebastião Edson Macedo e Manoel Ricardo de Lima, os contos de Airton Sampaio e M. Moura Filho, os ensaios de Wanderson Lima, para citar alguns autores de publicação recente. Mas sempre há um longo caminho a seguir. Um grande incentivo para o desenvolvimento da literatura produzida no Piauí seria a existência de leitores mais exigentes, uma crítica literária mais atuante.

Goella | Gostaria que você fizesse um comentário acerca dos seus livros, “Uns Poemas”, “Entrega a própria Lança na Rude Batalha em que morra” e “Yone de Safo”. E também que comentasse as suas atividades de poeta, professor e editor da revista literária amálgama.

Adriano | “Uns Poemas” reúne o que escrevi entre 1997 e 1998, constituindo-se para mim o início de uma necessária busca pela maturação poética que ainda não sei se consegui. Como quase todas as obras de estreia, ali estão meus principais defeitos e a gênese do caminho que escolhi seguir. “Entrega a própria lança na rude batalha em que morra” acrescentou uma preocupação com uma simbologia a partir de uma perspectiva histórica e intertextual, bem como um trabalho formal mais apurado. Cada parte de “Yone de Safo” é uma espécie de fragmento de um livro distinto que preferi não desenvolver isoladamente. Daí temos uma primeira parte lírico-amorosa, um certo erotismo, e logo depois uma parte voltada para a metalinguagem com referências bíblicas. Há ainda uma seção com poemas voltados para o nordeste e outra pseudo-memorialista. Enfim, vejo “Yone de Safo” como um caleidoscópio de temas a formas. E é justamente esse caráter multifacetado que me agrada no livro. Tentar equilibrar concisão e dispersão é sempre um desafio interessante. Esse é meu trabalho como poeta. A revista Amálgama foi um esforço em aliar crítica e jornalismo literário. As dificuldades financeiras em manter a periodicidade da revista nos levou aos meios eletrônicos, no qual atualmente edito, juntamente com Wanderson Lima, a Desenredos (www.desenredos.com.br).

Goella | E pra encerrar, hoje, no dia da poesia, qual o livro que você indicaria para o leitor do Goella?

Adriano | A “Ilíada”, de Homero, se quisermos “começar pelo começo”. Leitura indispensável. Admiro bastante a tradução de Carlos Alberto Nunes. A “Nova Reunião”, de Carlos Drummond de Andrade. 23 livro da poesia desse mestre reeditados recentemente em 3 volumes a um preço incrivelmente acessível. “O Tempo Consequente”, de H. Dobal; “O Arado”, de Zila Mamede, enfim, minha lista de leituras fundamentais seria enorme. Não conseguiria indicar um livro apenas.

Fonte | http://goellanet.blogspot.com/2010/03/papo-do-goella.html

Os tempos e a forma

Os tempos e a forma reúne num único volume cinco livros de poemas do escritor piauiense Adriano Lobão Aragão: Uns poemas (1999), Entrega a própria lança na rude batalha em que morra (2005), Yone de Safo (2007), As cinzas as palavras (2009) e Entre áridos anseios dispersos (2017), além de poemas dispersos publicados entre 1997 e 1998.

Seu primeiro livro, Uns poemas foi publicado em 1999, pela Prefeitura de Teresina, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, como premiação pelo Concurso Novos Autores, Prêmio Cidade de Teresina, 1998. Entrega a própria lança na rude batalha em que morra foi publicado pela Fundação Cultural do Piauí, Fundac, em 2005, num volume que incluía também os livros Balé de pedras, de Wanderson Lima, e Fractais semióticos, de Demetrios Galvão. Pouco depois, foi publicado separadamente, em edição artesanal, de restrita circulação, contando com cerca de 100 exemplares apenas. Yone de Safo foi premiado, assim como o livro anterior, em concurso literário promovido pela Fundac, mas o Governo do Estado do Piauí não publicou as obras vencedoras daquele ano de 2006, sendo que o compromisso público firmado via edital terminou por cair no esquecimento. O livro seguinte, As cinzas as palavras, foi publicado em duas edições. A primeira, em 2009, apresentando somente 70 exemplares, e uma segunda, em 2014, contando com tiragem bem mais ampla e obtendo uma circulação bem menos restrita.

Para a presente edição, Os tempos e a forma, o volume Ave Eva, que havia sido publicado somente em e-book, em 2011, foi reestruturado e passou a compor, juntamente com diversos poemas inéditos, a obra Entre áridos anseios dispersos, constituindo assim sua forma definitiva.

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Adriano Lobão Aragão nasceu no ano de 1977, em Teresina, Piauí. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Professor de língua portuguesa do Instituto Federal do Piauí. Além de poeta, o autor também publicou, em 2012, o romance Os intrépidos andarilhos e outras margens. Atualmente, é um dos editores da revista eletrônica Desenredos.

Palavra e silêncio: a “luta vã” no Piauí

William Roberto Cereja

Já conhecia a prosa criativa, inusitada e dialógica de Os intrépitos andarilhos e outras margens, do jovem professor e escritor piauiense Adriano Lobão Aragão. Contudo, surpreendi-me com seu novo livro de poemas As cinzas as palavras (editora Desenredos).

Nesse livro, Aragão adota uma dicção entre clássica e moderna, fazendo uso de uma linguagem enxuta e despojada. A quase totalidade de seus poemas situa-se no coração daquilo que se vem chamando de modernidade (no sentido da tradição baudelaireana ou valeryana): a metalinguagem, a poesia emparedada entre o silêncio e a palavra. O silêncio é o não canto, já cantado por Drummond e outros poetas modernos. E a palavra, muitas vezes, sem poder cantar o tempo presente, canta a própria palavra ou o próprio canto poético, especialmente neste caso, aquele ancorado na tradição luso-brasileira.

O dialogismo, tão fortemente presente em Os intrépitos, também se faz presente em As cinzas. No diálogo com Camões, temos, por exemplo, a referência a um tempo heroico passado, que já não se pode cantar, como já se via na fase lírica final de Camões:

este verbo disperso em distante campo de poeira
Areia estéril onde não canta tágide nem musa
estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte
(“As odes os signos”, p. 15.)

Também as reflexões em torno da passagem do tempo e das mudanças do próprio eu lírico deram origem ao poema “então”, quase uma paródia do poema camoniano “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”:

em perene forma permanece em idade e fortuna
tudo que no tempo não muda nem tempo nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

[…]

somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce.
(“então”, p. 19.)

Drummond está explicitamente evocado em “não cantaremos o amor”. Embora o tempo não seja de guerra, diz o poeta:

Ainda que nos fosse permitido
não cantaríamos o amor

[…]

e ainda que em nossos túmulos
habitem novamente flores amarelas e medrosas
não cantaremos este amor
que resultou inútil
(“não cantaremos o amor”, p. 59.)

Assim, cantar o impossível canto é a única opção para o poeta, que, perplexo diante de seu tempo e das armadilhas da linguagem, mais uma vez prefere a palavra ao silêncio.