Desenho digital, tablet Samsung, Sketchbook, janeiro 2023
Arnaldo Antunes
Desenho digital, tablet Samsung, Sketchbook, janeiro 2023
Jorge Luis Borges
Desenho digital, tablet Samsung, Sketchbook, janeiro 2023
Entrevista | Os intrépidos andarilhos e outras margens
Adriano | Pensei em diversos títulos. Nunca cheguei a um que me agradasse completamente. Mantive “Os intrépidos andarilhos” por ser o objeto de busca, pelo menos num plano inicial, do protagonista. “E outras margens” talvez fosse mais apropriado para um livro de contos, mas optei por manter pois remete às diversas possibilidades de leitura e vivências do personagem. O plural talvez seja uma fuga da individualização do protagonista, talvez. Como saber? Com certeza, Os Intrépidos Andarilhos e Outras Margens não é um livro de certezas.
.
“Minha perspectiva é aquela do Romantismo, que absorve o gnosticismo – é não retornar ao passado, mas criar o futuro.” Claudio Willer
concedida a Adriano Lobão Aragão
em março de 2011
Poeta, ensaísta e tradutor, Claudio Willer nasceu em São Paulo, 1940. Sua obra apresenta forte vínculo com a criação literária desenvolvida pelo surrealismo e pela geração beat. Tradutor de Lautréamont e Ginsberg, dentre outros. Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações culturais: Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, Isto É, Leia, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Cult, Correio Braziliense, etc; e na imprensa alternativa: Versus, Singular e Plural e outros. Co-editor da revista eletrônica Agulha, também edita o blog http://claudiowiller.wordpress.com/. Doutor em Letras pela USP, com tese defendida em 2008 com o título “Um Obscuro Encanto: Gnose, Gnosticismo e Poesia Moderna”, lançada em livro pela editora Civilização Brasileira. A seguir, apresentamos significativo trecho de entrevista concedida pelo autor sobre o místico labirinto poético ao qual dedicou sua tese. A entrevista completa foi publicada na 9ª edição da revista eletrônica Desenredos (www.desenredos.com.br).
Claudio Willer – Acho que, quanto à ‘tradição literária’, interesse vem desde sempre. Com uns 20 anos de idade, despertou-se em mim uma vocação de poeta – certamente induzida por leituras e por amizades com outros poetas. Afinidade com surrealismo e simpatia pela geração beat vêm daquele tempo. Quanto ao gnosticismo, essa religião ao contrário, invertendo os grandes monoteísmos patriarcais, há tempos me despertava a curiosidade. E já havia visto autores serem associados ao gnosticismo, por exemplo Artaud por Susan Sontag. Recentemente, achei uma resenha minha de 1987, na Isto É, sobre a coletânea de textos em prosa de Hilda Hilst, Com os meus olhos de cão. Para minha surpresa (havia-me esquecido) desde então já associava Hilda Hilst ao gnosticismo. Lautréamont, também, ao escrever sobre ele em 1997 (no prefácio da edição Iluminuras da minha tradução), dizia que ele representava Deus como demiurgo gnóstico em Os cantos de Maldoror. Minha tese de doutorado, pretendia fazê-la sobre relação de poesia com ocultismo e esoterismo em geral. Quando percebi que o resultado seria de uma extensão inviável, concentrei-me em gnosticismo, que vale como capítulo inicial do esoterismo e ocultismo na tradição ocidental. Pelo resultado – a tese de doutorado e o livro – vejo que foi uma boa escolha.
Adriano – É notório o interesse por temas místicos, incluindo o gnosticismo, caracterizado pelo lançamento de diversos títulos a cada ano. Sabe-se também que bem poucos encaram esses temas com o devido rigor e lucidez que encontramos em Um Obscuro Encanto, por exemplo. Nesse contexto, como tem sido a recepção de seu livro?
Adriano – E a quem Um Obscuro Encanto deve satisfazer (ou melhor, encantar)?
Lançamento da coletânea O RIO
Oficina da Palavra | Teresina, PI
1º de dezembro de 2022
Gramática reflexiva
COCAL DOS ALVES
Adriano Lobão Aragão
nos campos onde pastam
bois e cabras persiste
o caminhar do tempo
ruminando o desdobrar
da existência
diante dos bancos alinhados
na praça da igreja
a sombra das árvores
abriga a permanência dos dias
a mansidão da tarde
espalhada pelo horizonte
desenhado entre serras
em que campeiam lembranças
semeadas na resistência das pedras
.
Gramática Reflexiva | sexto ano
William Roberto Cereja e Carolina Dias Vianna
5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2019
poema: Cocal dos Alves, p.218
Noite de dezembro
Adriano Lobão Aragão
as cinco almas desta família
reunidas no silêncio da noite
celebram sua incômoda comunhão
no rascunho de sorrisos frios
repetidos nos gestos de comer e beber
no entanto é noite de dezembro
o avô morto há duas décadas
permanece jantando na mesa vazia
indiferente aos olhares das crianças
___________
publicado originalmente na revista Germina
Revista Brasileira
NÃO DEIXAMOS NOSSAS PEGADAS
Adriano Lobão Aragão
não deixamos nossas pegadas
no calçamento desta rua
repleta de pedras pontiagudas
deixamos o sangue de nossos pés
cortados no jogo de bola
onde o único ofício das chinelas
era servir de trave para o gol
contado em pés descalços
então a rua deixava em nós suas pegadas
demarcadas pela tintura do mercúrio-cromo
ou pela dor do mertiolate e da água oxigenada
também a bola recebia seus remendos
quando furada cortada ou rasgada
e outra bola mais antiga cedia um recorte
que seria colado com faca quente
não deixamos nossas pegadas
no calçamento desta rua
deixamos o sangue e outras feridas ao relento
esperando o tempo decidir esquecer ou emendar
_____________
Revista Brasileira
Fase VIII, Ano VI, Nº 91
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2017.
Editor: Marco Lucchesi | ISSN 0103707-2
| poemas: Peito de Moça, p.232; Inhuma, p.232; Quixadá, p.233; Uruçuí, p.233; Cocal, p.233; Fortim, p.234; Ainda havia carambolos nos muros, p.235; O muro além do jardim demarcava, p.236; Não deixamos nossas pegadas, p.237; Assar castanha, p.238. | Download da edição completa
Entrevista | Goella
Entrevista concedida a Chagas Botelho, para o blog Goella, março de 2010
Hoje, 14 de março de 2010, Dia da Poesia, o Papo do Goella faz uma entrevista com o poeta piauiense Adriano Lobão Aragão
___________
Goella | Você diz que sua obra está em constante mutação. Para o poeta, é importante a busca de um novo foco para um novo trabalho?
Adriano Lobão Aragão| O trabalho com a criação artística, para ser relevante, costuma lidar com a ousadia de se reinventar constantemente.
Goella | Influências, intertextualidade e releitura são palavras marcantes em sua obra. Um bom poeta é antes de tudo um bom leitor?
Adriano | Creio que deveria ser. Não como imposição, afinal, na criação artística, ninguém é obrigado a nada. Mas creio que todo escritor sempre deve ler mais e escrever menos, buscando ser o principal crítico de si mesmo.
Goella | Fernando Pessoa diz que “o poeta é um fingidor”. Você concorda com esse pensamento?
Adriano | Toda criação artística lida com algum tipo de “fingimento”. Entretanto, se é fingimento ou confissão, quem se importa? O valor de um poema está acima disso, pois se encontra na linguagem. Como escreveu Drummond, “o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”.
Goella | Você não acha que hoje os jovens leem os poetas piauienses mais por cobranças nos vestibulares?
Adriano | Não só os poetas piauienses. Quase toda a poesia lida pelos jovens piauienses limita-se àquilo que o professor trabalha em sala de aula. O que é uma pena, o que é muito pouco para uma formação cultural relevante. Compreender um poema é compreender uma importante dimensão da própria expressividade da linguagem humana.
Goella | Pra você, os melhores poetas são brasileiros ou estrangeiros? Ou não se pode fazer esse tipo de comparação?
Adriano | Há bons poetas tanto no Brasil quanto no exterior. Entretanto, em relação aos poetas contemporâneos, a produção poética portuguesa requer uma maior atenção do leitor brasileiro.
Goella | Gostaria que você comentasse a literatura piauiense de hoje e como estão as produções feitas atualmente.
Adriano | Há alguns esforços bem positivos. Admiro a poesia de Sebastião Edson Macedo e Manoel Ricardo de Lima, os contos de Airton Sampaio e M. Moura Filho, os ensaios de Wanderson Lima, para citar alguns autores de publicação recente. Mas sempre há um longo caminho a seguir. Um grande incentivo para o desenvolvimento da literatura produzida no Piauí seria a existência de leitores mais exigentes, uma crítica literária mais atuante.
Goella | Gostaria que você fizesse um comentário acerca dos seus livros, “Uns Poemas”, “Entrega a própria Lança na Rude Batalha em que morra” e “Yone de Safo”. E também que comentasse as suas atividades de poeta, professor e editor da revista literária amálgama.
Adriano | “Uns Poemas” reúne o que escrevi entre 1997 e 1998, constituindo-se para mim o início de uma necessária busca pela maturação poética que ainda não sei se consegui. Como quase todas as obras de estreia, ali estão meus principais defeitos e a gênese do caminho que escolhi seguir. “Entrega a própria lança na rude batalha em que morra” acrescentou uma preocupação com uma simbologia a partir de uma perspectiva histórica e intertextual, bem como um trabalho formal mais apurado. Cada parte de “Yone de Safo” é uma espécie de fragmento de um livro distinto que preferi não desenvolver isoladamente. Daí temos uma primeira parte lírico-amorosa, um certo erotismo, e logo depois uma parte voltada para a metalinguagem com referências bíblicas. Há ainda uma seção com poemas voltados para o nordeste e outra pseudo-memorialista. Enfim, vejo “Yone de Safo” como um caleidoscópio de temas a formas. E é justamente esse caráter multifacetado que me agrada no livro. Tentar equilibrar concisão e dispersão é sempre um desafio interessante. Esse é meu trabalho como poeta. A revista Amálgama foi um esforço em aliar crítica e jornalismo literário. As dificuldades financeiras em manter a periodicidade da revista nos levou aos meios eletrônicos, no qual atualmente edito, juntamente com Wanderson Lima, a Desenredos (www.desenredos.com.br).
Goella | E pra encerrar, hoje, no dia da poesia, qual o livro que você indicaria para o leitor do Goella?
Adriano | A “Ilíada”, de Homero, se quisermos “começar pelo começo”. Leitura indispensável. Admiro bastante a tradução de Carlos Alberto Nunes. A “Nova Reunião”, de Carlos Drummond de Andrade. 23 livro da poesia desse mestre reeditados recentemente em 3 volumes a um preço incrivelmente acessível. “O Tempo Consequente”, de H. Dobal; “O Arado”, de Zila Mamede, enfim, minha lista de leituras fundamentais seria enorme. Não conseguiria indicar um livro apenas.
Fonte | http://goellanet.blogspot.com/2010/03/papo-do-goella.html